Eleanor não é pra mim - parte I

        A tarde já corria quente, com um vento seco que podia tirar toda a carne dos ossos, e um Sol com uma claridade tão ofuscante que chegava a enebriar. Acabei indo deixar Lorenna no apartamento dela, não sei se em decorrência de um surto de bom samaritanismo ou por que era o último dia de aula - pelo menos pra mim era realmente o último - eu estava meio nostálgico.

 

        Sob inúmeros protestos da Lorenna de: porque minha irmã havia quebrado o para sol do lado do carona?; seguimos o rumo de seu apartamento, entre diversos planos de artigos e estudos sobre Dostoiévski, Sartre e Bauman, ela decide colocar pra tocar Eleanor Rigby, dos Beatles no moderno sistema de som do meu carro - a dizer que é um celular dentro do porta moedas - o fato é que a emblemática música sobre a solidão das gentes me permitiu lembraças e sensações a aglum tempo já esquecidas.

 

        Ah, look at all the lonely people ... Ah, look at all the lonely people..., diziam os versos inicias da música, e realmente pude ver a solidão daqueles pobres almas, que não se dão conta da existência precedendo a essência, e entre um verso e outro lembrei da Eleanor do filme 60 segundos, que terminou destruida, sucumbindo aos desejos de seu adorador. A história daquele filme aliada ao calor fumegante e à luz extasiante do Sol, me permitiu ver que: "as coisas que mais queremos, as vezes são demais pro nosso bico". Quando expliquei a Lorenna sobre toda a história de desejo e destruição que envolvia Eleanor, ela logo disparou, em um momento verdadeiramente apoteótico - desses que fazem o anjos cantar em coro e os céus se abrirem em imenso esplendor- "Eleanor não é pra mim".

 

        E realmente em nossa solidão imanente, não percebemos o que nos rodeia, imaginamos, sonhamos, iludimo-nos, enquanto tudo isso acontece a vida passa. Destruimos o ser amado(ou não) por uma série de projeções sufocantes que apenas comprovam nossos medos e insseguranças. Ficamos a recolher o arroz, dos degraus da igreja, do casamento de outros, enquanto vivemos imersos em sonhos e mais sonhos. Desejando coisas que no fundo não nos representam, coisas que imaginamos ter, coisas que imaginos ser, coisas que são tudo menos o que realmente precisamos, tentando a todo custo possuir o que não pode ser possuido. Tomados por desejos insanos e impulsos despropositados não exergamos a sublíme e latente verdade que é: "Eleanor não é pra mim".

 

E no final não era mesmo.

 

#HAM23