Eu vou tirar você desse lugar - Aspectos sociais e discussões sobre a temática brega na canção de Odair José.

 

 

Nasci na década de 90, onde o gênero musical predominante era o pop, o rock, o eletro e suas vertentes. Ainda hoje o cenário se mantém com tais estilos e alguns tantos outros gêneros toscos. Falar hoje em dia de outros estilos músicas, se não estes, pode parecer um tanto quanto estranho e absurdo. Porém nada aqui me impede que eu destrinche pelo passado e resgate os velhos compactos empoeirados de meus avós e pais, e traga a tona o velho e bom estilo Brega. Ainda mais com a atual conjectura do cenário musical brasileiro, onde infelizmente o que faz sucesso é a MIB (Música Imbecil Brasileira), com o seu sertanejo universitário a frente do pelotão, armado com sua imbecilidade monossilábica. As canções contemporâneas que fazem sucesso, em sua maioria esmagadora, segundo o ilustre jornalista, advogado e critico musical, Rafael Teodoro, possuem um movimento circular no qual o “artista” que não tem o que oferecer intelectualmente alimenta com sua dita “arte” a população que já se encontra em terrível estado de inanição cerebral. O Brega, apesar de parecer “cafona” é atual, pois traz nas letras de suas músicas a paixão, que sempre impregnou o ser humano, seja qual for a época que este viveu.

Mas afinal meus caros, o que realmente é o Brega? Inicialmente, o termo designava um tipo de música romântica, com arranjo musical sem grandes elaborações, bastante apelo sentimental, fortes melodias, letras com rimas fáceis e palavras simples. Reza a lenda, que a real origem do termo “brega” deriva do “Nóbrega” da rua Manuel da Nóbrega, em Salvador – rua que pertencia a uma fértil região de prostíbulos da capital baiana. A origem do termo encontra raízes bem particulares, e demostra de certa forma a influência do ambiente dos bordeis e cabarés, na criação de suas letras. O rótulo “brega” se tornou comercial com o lançamento do LP “Brega chique, chique brega”, de Eduardo Dusek (1984). Antes, na década de 70 a expressão utilizada era “cafona”, divulgada no Brasil pelo jornalista e compositor Carlos Imperial.  O “cafona” se torna então Brega, não se contendo e tomando outras proporções nos anos seguintes. De gênero musical brasileiro a produtor de cultura. O Brega vai ditar moda e retrata o cenário social das classes inferiores da época. Dentre os inúmeros cantores e compositores como, Waldick Soriano, Reginaldo Rossi, Nelson Ned, Evaldo Braga, Paulo Sérgio, Agnaldo Timóteo; queremos aqui dá destaque a um em especial: Odair José e sua fantástica canção, Vou tirar você desse lugar.

Odair José, é um cantor e compositor brasileiro do estilo popular-romântico-brega, que está inserido na segunda geração do brega, junto com Evaldo Braga, Paulo Sergio e Agnaldo Timóteo.  Sendo ele um dos campeões no quesito de letras de músicas censuradas durante a ditadura militar, ao lado de Chico Buarque. “O terror das empregadas domésticas”. O quarto divorciado do Brasil. “Bob Dylan da Central do Brasil”. Autor da canção contra a pílula anticoncepcional com a qual se consagrou nacionalmente (em plena campanha de controle de natalidade). Odair, através de seus autênticos bregas fez uma verdadeira crítica à moral da sociedade brasileira da época, trazendo temas como amor, sexualidade, religião, drogas e prostituição que eram o corpo de seu ilustre repertório. O cantor e compositor goiano viveu o apogeu de seu sucesso durante a década de 70, quando se deu a expansão da indústria fonográfica no Brasil, em plena ditadura militar, com destaque para o Ato Institucional n° 5 (AI-5) que foi editado em 13 de dezembro de 1968 pelo então presidente Costa e Silva. Com o advento do AI-5 a ditadura e consequentemente a censura ficaram ainda mais intransigentes, concebendo amplos poderes ao governo vigente, podendo este intervir nos estados-membros sem os limites constitucionais, cassar mandatos eletivos, confiscar bens e suspender os direitos políticos de qualquer cidadão. No campo musical, tal temporada foi marcada por censuras, principalmente nas canções que apresentavam teor político e/ou feriam os “bons costumes”. Desse modo, estavam no alvo dos censores tanto letras que criticassem o Estado quanto aquelas que tivessem um teor obsceno ou pornográfico.

Em 1972, é então lançada a música “Vou tirar você desse lugar”, em seu primeiro compacto, chegando a vender mais de 800 mil cópias. A canção que expõe no repertório Brega a temática da prostituição feminina se torna símbolo do amor de um homem para com uma prostituta. Além de Odair, outros cantores e compositores abordaram a temática em suas canções bregas. O tratamento da prostituição nas músicas, se deu, de acordo com Paulo Sérgio de Araújo , devido a aproximação dos cantores bregas com o “universo da noite”. Podemos aqui citar, o caso de Waldick Soriano, que se apaixonou por uma prostituta de Belém do Pará, e Nelson Ned que se envolveu com uma garota de programa e para ela fez a canção: Quando eu estiver chorando. Apesar de Vou tirar você desse lugar ter se tornado a expressão do amor entre um homem e uma prostituta, o titulo, porém, tem um sentido pessoal do compositor e de seu aborrecimento em relação à gravadora na qual tinha contrato em 1972: a CBS. Apesar de não ter sido censurada durante a ditadura, foi com Vou tirar você desse lugar que os censores passaram a prestar mais atenção nas canções de Odair José.

O “cantor das putas”, título que Odair recebeu de parte da população após esta canção, retrata em sua obra-prima a história de um homem que vai a um determinado prostíbulo em um primeiro momento em busca de prazeres carnais como forma de distração. Porém, torna-se frequentador após se apaixonar por uma das garotas de programa daquele local, chegando ao ponto de prometer libertá-la daquela vida. Fica evidente na canção o preconceito carregado na memorial cultural da população, de um passado confuso e promíscuo de uma das profissões mais antigas do mundo. Já na primeira estrofe o autor não dá nome ao local que frequentou, ele simplesmente se refere ao local como “aqui”, indicando que não é permitido ou aceito ir a tais lugares. Porém no próximo verso, tenta justificar sua ida: “Foi só pra me distrair”. Retirando parte do peso da censura social pelo seu ato, que como sabemos, é atenuada em relação ao homem, permitindo que este utilize o corpo feminino para atender seus desejos sexuais. Ocorrem nesse trecho e em outros, trocas de expressões, como forma de diminuir a carga pornográfica da canção, em uma época em que a sociedade encarava a sexualidade como tabu, evitando utilizar palavras que, para as pessoas da época, deveriam conservar-se entre as quatro paredes do quarto do casal.

Na segunda estrofe, quando o personagem da canção volta ao local, não mais “para se distrair”. Nesse instante, ele expõe todas as inquietações do ser apaixonado: a “saudade”, a ânsia de “carinho” e a sensação de estar “sozinho”. Tudo de forma a concorrer no impedimento de esquecer a mulher. A partir desse momento ele assume o amor por uma prostituta, mas não aceita o fato de que ela continue prestando serviços naquele local, demonstrando o próprio preconceito que ele recebeu da sociedade e ainda demarcando seu território, como consequência de uma visão de amor monogâmico.  Ainda mais a frente na narração musical, o personagem impõe sua decisão de retirar a moça de seu local de trabalho, mostra-se aqui uma visão machista do relacionamento. Nesse caso há o prevalecimento da decisão do homem em prejuízo com o da mulher que em nenhum momento expressa sua vontade na canção. Interessante destacar, que o local em que ele a conheceu era o ambiente profissional dela, fonte de sua renda e que poderia, sim, ser digno. Inclusive na década de 70, o termo “trabalhadoras do sexo” passou a ser utilizado para mulheres que trabalham com a prostituição. A partir dessa mesma década surgem os movimentos contra o preconceito, à discriminação e à violência contra prostitutas, além da proteção ao reconhecimento da cidadania dessas profissionais. As associações foram à luta e assim, passaram a demandar a retirada da prostituição do Código Penal e posteriormente, buscaram introduzi-la na legislação trabalhista como mais uma atividade profissional.

No refrão da música o personagem faz uma promessa, há um desejo por parte dele de retirar sua amada daquele local, sem, porém, ser concretizado. Isso fica perceptível pelo fato dele não dizer quando irá tira-la do local. Mais a frente no verso “e não me interessa o que os outros vão pensar” há duas marcas que precisam ser destacadas. Primeiro, a escolha da expressão “os outros” que representa a sociedade, com uma certa carga pejorativa, como se o pensamento social foi menor que sua vontade de ficar com a amada. Contudo, vale ressaltar que, ao afirmar não se interessar pelo que os outros vão pensar, ele já indica certa preocupação com o fato em si. Isso pelo fato de que o verso em questão revela um pressuposto de que há certo interesse sobre a opinião social, já que a tendência é negar somente aquilo que realmente existe. Na sequência, trata de acalmar a mulher, que pela experiência de vida talvez conheça mais do que ele, as adversidades que um relacionamento como este pode causar, mesmo que ela se afaste do seu antigo ambiente profissional. Nesse instante, ele passa a sugerir o pensamento dela, que teme quanto ao futuro desse relacionamento, porque “pensa que o passado vai estar sempre perto” e que ele pode vir a se “arrepender”. É o peso social que, mais uma vez aparece, antecedendo o sofrimento e sugerindo a ideia de romance proibido, como o de Romeu e Julieta, sendo que, neste caso não são duas famílias que se opõem ao relacionamento, mas possivelmente toda uma sociedade carregada de preconceitos. No final da canção, ocorre a idealização de um sentimento invencível, confirmando a máxima de que “nada é maior do que o amor”, expressa na música pelo final: “Pois quando o amor existe, não existe tempo pra sofrer”.

É indiscutível a contribuição da cultura Brega e de todos os seus adeptos, dentre eles o afamado cantor e compositor Odair José, para a exposição e compreensão de assuntos e de sujeitos que a sociedade dominante antes preferia deixar embaixo dos lençóis, o caso das questões ligadas às classes marginalizadas. Ao abordar pontos que tratam de sexo, religião, prostituição, trabalho doméstico e homossexualidade em suas letras, o compositor sofreu com o preconceito e censura tanto por parte do governo ditatorial dá época quanto pela sociedade elitizada. Em inúmeros casos, essa parcela social expunha sua terrível e esmagadora intolerância, conservadorismo e falso moralismo quando desviava o foco do assunto ou classificava esse conteúdo musical como inferior, simplesmente porque, os cantores ditos bregas vinham da base da pirâmide social. Todavia, deve-se verificar, que embora este e outros cantores tenham chamado a atenção para a rejeição social sobre tais temas, eles muitas das vezes estavam inseridos no conjunto social preconceituoso e machista. Como foi mostrado, apesar da singela tentativa de superar esse preconceito, o próprio Odair José deixa de inicio marcas no titulo e em certas passagens da música, quando faz a opção de utilizar determinadas expressões, a exemplo de “distrair”, ou impõe sua vontade sem levar em consideração a vontade da mulher, quando determina que “vai tirar a amada daquele lugar” sem levar em consideração a opinião dela.

 

Pablo Cavalcante Costa - #PCC

 

Referências bibliográficas:

ARAÚJO, Paulo César de. Eu não sou cachorro não. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record: 2006.

CABRERA, Antonio Carlos. Almanaque da música brega. São Paulo: Matrix, 2007.

ODAIR JOSÉ: POLÊMICA E PESEGUIÇÃO. Censura Musical. Disponível em: https://www.censuramusical.com/includes/entrevistas/OdairJose.pdf. Acesso em: 17 dez. 2013.

MIB (MÚSICA IMBECIL BRASILEIRA): O SERTANEJO UNIVERSITÁRIO NA ERA DA IMBECILIDADE MONOSSILÁBICA. Revista Bula. Disponível em: https://www.revistabula.com/332-mib-musica-imbecil-brasileira-o-sertanejo-universitario-na-era-da-imbecilidade-monossilabica/. Acesso em 17 dez. 2013